Um Trecho de uma crônica de Clarice Lispector

UM PINTOR

"A surpresa de ver que o pintor começa por não recear inclusive a simetria. É preciso experiência ou coragem para revalorizá-la, quando facilmente se pode imitar o "falso assimétrica", uma das originalidades mais comuns. A simetria é concentrada, concentrada. Mas não dogmática. É também hesitante, como a dos que passaram pela esperança de que duas assimetrias encontrar-se-ão na simetria. Esta como solução terceira: a síntese. Daí talvez o ar despojado, a delicadeza de coisa vivida e depois revivida, e não um certo arrojo dos que não sabem. Não é propriamente tranqüilidade o que está ali. Há uma dura luta de coisa que apesar de corrida se mantém de pé, e nas cores mais densas há uma lividez daquilo que mesmo torto está de pé. Suas cruzes são entortadas por séculos de mortificação. São altares? Pelo menos o silêncio de altar. O silêncio de portais. O esverdeamento toma um tom do que estivesse entre vida e morte, uma intensidade de crepúsculo."

Ela, Clarice Lispector


"Sou como você me vê.Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,Depende de quando e como você me vê passar." Clarice Lispector

Estrela Perigosa - Clarice Lispector

Estrela Perigosa

Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.
No obscuro erotismo de vida cheia nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,
lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excrucitante.
Que medo alegre,
o de te esperar.